14 março 2016

Fera

Cartão de visita entregue
nota-se pelo belo sorriso embrulhado em batom vermelho:
tome cuidado, essa morena é um perigo.

E o que fazer com o riso fácil
o toque macio em meu braço, entre abraços
enquanto eu me rendia a você

A noite, essa criança que dorme cedo
não me deu tempo de saber
se aquele cheiro que você deu no meu cangote
foi pra valer.

23 janeiro 2016

Cordas sebosas

E cada vez mais vai tudo ficando mais raso,
mais fraco.
São cordas enroscadas,
mas não são laços.
Não sustentam o próprio peso,
não seguram o tranco.
Cordas sebosas, ardilosas.
Não são nada.

E quantas cordas são juntadas
jogadas no mesmo saco
quem tem saco para tanto nó?
Melhor pular fora
ser corda firme
ser só.

15 novembro 2015

Matando a saudade



Era pra ter sido bom
deixado um gosto de se querer sempre e um pouco
mais

era pra ter acertado o tom
e ouvir o teu silêncio cantando no meu peito
mas

fica tudo sem sentido
enquanto um ama, o outro se esconde
não vou seguir tentando
deixo o tempo a vontade
matando a saudade.

09 outubro 2015

A outra metade da laranja



      Terminado.

      Após muito tempo de enrolação, terminou de ler o livro que acumulava poeira na cabeceira da cama. Só então percebeu a capa amarela, imitação de um classificador antigo com uma etiqueta tão velha quanto, dessas que não devem ser mais encontrada. Vida moderna, soluções eletrônicas para coisas simples. Quando acaba a bateria...

      Percorreu mais um pouco o livro traçando um roteiro diferente do habitual. Informações sobre gráfica, registro no ISBN, tipo de papel. Nisso se deu conta da autora do livro: uma cantora e compositora de uma das bandas mais legais que conheceu nos últimos anos, coisa fina. O livro é tão caótico e delicado quanto as músicas, em alguns momentos não se sabe se é viagem de ácido ou simplesmente falta de atenção na leitura. Volta página. Algo parece ainda estar fora do lugar. Melhor criar contexto: hora de por as músicas pra tocar. Tinha todos os mp3 existentes da banda no HD do computador, mas preferiu arriscar o Spotify. Tava lá, tudo organizado por disco e número de faixa. Isso é estranho, no HD está pela ordem alfabética do nome das músicas. Não importa; DJ, sobe o som (mas não muito porque já passou da uma da matina, o povo em casa tá dormindo e já bastou o alarme da casa ao lado ter tocando algumas vezes essa noite).

      Voltou às páginas. Desenho de dois corações dentro de um liquidificador (chamado de vitamina de amor), pensou na metáfora metalinguística envolvida naquilo. Para misturar era preciso bater e destruir, ia ter dor envolvida para que houvesse um envolvimento maior de cada parte. Um misturado ao outro. Ia ter mais dor quando fossem separar. "Estar perto requer outros dons", soa a música.

      Lá pelo final, nas páginas negras com letras brancas, o nome de todo mundo que contribuiu para que o livro existisse. Financiamento coletivo via internet. Vida moderna, solução eletrônica para coisas (nem tão) simples. E precisa bater a meta. No meio de tanta letrinhas, encontrou seu apelido lá pelo final. Bateu aquele orgulhinho besta. Bateu também a curiosidade de saber o nome das pessoas que ajudaram, quem viajou na maionese junto. Lá pela metade se deparou pelo nome da única pessoa que veio lhe falar da banda sem que tivesse enviando uma música de degustação antes. Não tinha pensado nisso antes de correr a lista, mas nada fora do normal. Daí então começou a tocar uma música: "Uhhhh is that a ufo or a shooting star?". E lembrou que logo depois vinha "I'm travelling on mayonese".

      Viajando na maionese lembrou do único show da banda que assistiu até hoje. Circo Voador, RJ. Primeira vez na cidade. A companhia parece ser a melhor para a ocasião, cantaram juntos, sorriram juntos, quase choraram. Abraços, beijos. Quantos sorrisos. E parecia que todos os carinhos e planos futuros eram perfeitos. "I don't believe in fairy tales / But i'm stuck in one"+"Mas ninguém muda ninguém" = tudo errado. A ex-companhia não fazia mais parte da sua vida. Nem das pessoas que contribuíram para o livro.

      Melhor assim. Quando uma relação envolve músicas maravilhosas e a vaca vai pro brejo, não tenha dúvidas: fique com a banda.

07 outubro 2015

Em busca

Em meio a madrugada, olhos pesados
Sono trocado, tempo atrasado em passar
Mas a vida continua sem pensar

Enquanto dormem, todos nem imaginam o que acontece
com aqueles que não se confortam no travesseiro
e pedem pro inferno passar ligeiro

Cada um escolhe os fantasmas para se assombrar
não há redenção até o amanhecer distante
nessa jornada do anti herói errante

Valsam ligeiros pelas mentes,
demônios empilhados na cabeceira
o vazio ocupando o espaço de todas as maneiras

A que horas você chega?
Quero deixar isso tudo pra trás
E seguir buscando algo que me dê paz.

25 setembro 2015

Maré vazia

Hoje nada teve graça
uma folhinha arrancada jogada no lixo
zero a esquerda de outros zeros
um tempo sem sentido, perdido
um abraço sem calor
um cuscuz sem fumacinha (e manteiga)
qual a graça de um dia
que não soube se fazer presente
enquanto podia?

Foi tudo tão pouco
que não serviu pra coisa alguma
e quando chegou a noite,
o que é que havia?
Apenas uma sensação vazia
e eu perguntando o porque de 24h serem tão inúteis
mas me ocorreu um verso
tentei fazer poesia
a folha branca espera cansada
o peso da pena torta
então me dei conta
de que hoje tudo daria em nada.

11 setembro 2015

Selfie

Brise-se
e de leve leve-se
sem pressa, sem forma, sem ruído
tendo sentido
tudo que lhe tem
sorrido


Transborde-se
de pouco em tanto
do quando em sempre
tendo amado
todos que lhe dão
afago

26 julho 2015

Toda Poesia


Inverno
é tudo que sinto
viver
é sucinto

Paulo Leminski



      Domingo, dia cinza, inverno invadindo o quarto pela janela. A cama parece o único lugar que resta no mundo. O aconchego, o abraço, tá tudo nela, só falta ela fazer cafuné. Me estico todo pra pegar um livro na cabeceira, o mesmo que me acompanha para quase todos os lugares nos últimos 3 anos: Toda Poesia, do Paulo Leminski.

      Lendo os versos do bigodudo curitibano, me lembrei de quando comprei o livro. Ano de 2012, viagem de férias. Depois de muito tempo sem viajar, por vários motivos que hoje parecem mais desculpas para evitar o desconhecido, planejei meus dias de férias (todos eles e mais alguns, na verdade) para desbravar o mundo. Acabei me descobrindo.

      Desse dia em diante passei a querer viajar mais, conhecer mais pessoas, mais lugares. Isso tudo para me conhecer melhor, para me tornar alguém mais atento e empático com o que me rodeia. Brasília, São Paulo, algumas cidades de Minas, Vitória, Rio de Janeiro, Curitiba, Manaus. Cidades bem diferentes, com costumes diferentes e ainda assim cheia de pessoas com atitudes iguais. Calor, frio, simpatia, indiferença. Encontrei muito pelo caminho, anseio por encontrar mais.

      E foi entrando numa livraria em São Paulo, num mês de julho em que experimentava pela primeira o inverno paulistano, que me deparei com aquele livro laranja, num tom tão berrante que quase dava pra ouvi-lo grita "Me leve!". Levei. E também estou sendo levado, seguindo um caminho que não faço a mínima ideia onde vai dar.

      No entanto, o livro que tenho comigo não é o mesmo que comprei anos atrás. Este foi deixado como presente pelo caminho, depois de uma tarde de chuva, café e um apartamento bagunçado, onde ouvi o livro me gritar "Me deixe". Entendi que era um pedido do próprio Leminski, afinal estava em Curitiba. Não me fiz de rogado, nunca me apeguei a livros. Acho que eles são livres e desejam correr o mundo tanto quanto eu.

      Depois de um tempo me peguei com vontade de ler tudo novamente, Leminski hoje me é tão importante quanto Vinícius de Moraes me foi na adolescência. Fui na livraria e comprei outra edição. Novo exemplar, mesma sensação: enquanto houver inverno e Leminski, não vou me sentir só.

      Nem completo.

      Talvez seja hora de arrumar a mala.

30 junho 2015

Pedido

Acompanha está carta um presente
Que embrulhado em abraços
E enfeiado com alguns sorrisos
Haveria de ser entregue pessoalmente

E do destino espera-se tudo
A alegria, a dor
A surpresa, o susto
O inesperado chega pra todo mundo

O presente chegará ao destino
Numa embalagem de papel e durex
Que algum estranho a entregará
E isso, no fim, não faz sentido

O medo destrói tudo, não deixa margem
E lhe peço que ouça Guimarães Rosa
Para descobrir o que a vida nos cobra:
Coragem, meu bem! CORAGEM!

09 fevereiro 2015

Beira mar

Veja bem menina
A vida tem dessas coisas
de rir, de chorar,
de dizer que não dá pra amar mais
E assim os dias
não cansam de passar

Recebe bem menina
O que lhe traz de sereno o mar:
Ondas nas pernas a bater
Brisa nos cabelos a soprar
Areias pros pés mover
Tempo para pensar.

Guarda bem menina
só o que encontrar de bom
deixa vir o que vier
e chore quando quiser
que o coração ama sempre puder
seja lá quem for

27 dezembro 2014

Os bancos, parte final



      "Por entre árvores da praça que seria o cenário recorrente dos encontros, avistaram o fim de tarde, sol se pondo por trás dos morros no horizonte. O pequeno cinema oferecia um lindo filme que contava a história de uma mulher forte que correu atrás dos seus sonhos quando todos diziam para que ela desistisse. Violeta foi para o céu. Sentaram na última fileira de bancos e enquanto esperavam as luzes apagarem, se beijaram. Um beijo breve, quase que roubado. Um beijo doce, quase impossível. Do beijo, fez-se o riso, um sorriso contido, quase envergonhado. Outro beijos se seguiram e sem perceber o cinema, mas pessoas, o filme, tudo tinha desaparecido. Eram só eles dois, descobrindo-se, chegando a lugares um do outro onde nunca estiveram antes. Acendem-se as luzes. Fim.

      E o que parecia mais um romance de final feliz desemborcou em outro clichê: o drama imbecil. Como se gato e rato, ele a procurava, ela fugir. Inalcançável, impossível. E assim o amor foi se esmaecendo, transformadas em desbotadas lembranças cores que as flores da praça um dia tiveram enquanto conversavam em um banco.

      Mas o amor é algo imprevisível e surge quando menos se espera, de onde não se imagina. Ela ressurgiu, como se nada tivesse acontecido, falando dos dois juntos e como tudo poderia ser bom dali pra frente, fazendo o peito dele se encher de esperanças, sentado na poltrona em frente ao computador, milhares de quilômetros longe dela, querendo pegar em sua mão e mais uma vez provar daquele beijo.O O tempo foi passando, a vida seguindo e o desejo de se reverem sendo regado a cada bom dia dado.

      Quase um ano se passou até novamente ele se ver cercado de bancos num aeroporto, prestes a voltar à cidade onde há beleza no horizonte. E foram bancos de avião, de ônibus, de carros até o retorno ao banco da praça. Mais uma vez a presença dela transformava o mundo em um detalhe esquecível. Foram ruas, igrejas, museus, cadeiras, sofás e bancos, tudo muito lindo, tudo ao lado dela. Ele viu a beleza dela refletida no vidro da janela, ele sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando ela, ao tomar um susto, apertou a sua mão e se encostou em seu ombro. Sentiu que tudo fazia sentido.

      Voltaram ao mesmo cinema da outra vez, onde se beijaram como quem rouba manga da casa vizinha, mas dessa vez tudo foi diferente. Mal havia começado o filme, tiveram que ir embora. Na dúvida entre esperá-la voltar ou passear solitário o resto do dia, depois do beijo de despedida ele sentou e tomou um suco de laranja.

Mal ele imaginava o qual amargo seria aquele suco e que a última vez que a veria seria quando aquele par de all stars vermelhos dobrou a esquina."

21 julho 2014

Cercado

Planta, rega, nasce, cuida e colhe
amor é terra fértil e arejada
donde brotam as paixões desvairadas
desejos floridos
sonhos infrutíferos

Em botão fechado se mostra a rosa
não se sabe bem a sua cor
e vai aprendendo com a vida, velho jardineiro,
espinho de planta nova ainda machuca
os dedos.

17 junho 2014

Jujuba verde

"Escurece
cresce tudo
que carece"


Paulo Leminski



      Dia de inverno, chuva, frio, vontade de fazer nada durante o expediente. Assim seria mais um dia normal, como quase todo dia, beberia muita água e por causa do frio iria muito ao banheiro, ficaria desejando dar meia dia para poder almoçar e depois do almoço desejaria que o expediente acabasse, daí voltaria pra casa. Pra quê? Pra nada, mas ainda assim era melhor que nada no trabalho. Entre relatórios, notas fiscais, atas e mais alguns documentos, uma frase ou outra trocada com quem estivesse a volta, apesar de não ser dia nem de trocar palavras. O nada em casa era o seu sonho de consumo instantâneo. E o que fazer até chegar ao paraíso? Nada...

      Numa dessas alguém abre a porta da sala, dá bom dia, pede licença e com um rodo e um pano velho vai passando desinfetante na sala. E isso seria mais um item a ser riscado da rotina se não fosse algo incomum. Não entendeu o que se passava, mas algo estava diferente e diferenças não são coisas normais no ambiente de trabalho, então tirou os fones de ouvido e só então percebeu que o que havia de diferente era o cheiro do desinfetante. Cheiro forte, insistente, cítrico. Não era dos melhores, supôs.

      Aquele cheiro que não ia embora aos poucos fez ele lembrar de jujubas, mais especificamente as jujubas verdes. Não que fossem suas preferidas (gostava das vermelhas), muito menos que o cheiro da jujuba verde fosse igual àquele que empesteava a sala, mas a lembrança veio de supetão e sem dar muito tempo ao cérebro de entender o porque daquelas sinapses fora de nexo. Então pensou que lembranças não são coisas que vem, que entram na gente: elas já existem do lado de dentro e pouco importa o que as tiram do sono profundo. Elas vão aparecer, mais hora, menos hora. Algum cientista vai dizer que estudo apontam as causas dessas ligações estranhas da mente humana. Balela das brabas, essas coisas não se estudam. Se sentem.

      Puxadas pela jujuba verde vieram outras tantas lembranças, novas, velhas, algumas já esquecidas. E lembrança quase nunca chega sozinha, sempre traz consigo alguém a reboca. Saudade, tristeza, alegria. A lembrança cítrica da jujuba verde carregava consigo um desejo, daqueles que a certa altura da vida já se começa a ter certeza que só vai se realiza na próxima encarnação (se houver). Lugar de trabalho não é propício para desejos, no geral eles não permitem nada além de reproduzir o comportamento padrão da rotina. Desejo não é padrão, não é rotina. Normalmente o desejo é a fuga, é a mudança, é a antítese do local de trabalho.

      Tinha que se decidir entre a rotina e o desejo. Era um dia de inverno, chuva, frio, aquela preguiça de tudo na vida, inclusive de alimentar desejos. Colocou os fones de ouvido e voltou aos relatórios, não sem antes anotar em algum papel que foi esquecido nalguma gaveta: comprar jujubas coloridas.

04 abril 2014

Madrugada


      Na rotina moderna de cumprir com as obrigações sociais-econômicas, ainda temos que arranjar tempo de viver. Encontrar os amigos, se divertir, descansar, sonhar. Boa parte disso hoje se concentra em dispositivos eletrônicos, esses pequenos seres opressores que cada vez mais escravizam a atenção das pessoas. Mas como em qualquer relação de opressão em algum momento os oprimidos vão se rebelar. Essa é a história de uma pequena revolta.


      Há algum tempo via aparecer no meu instagram (olha a opressão) as fotos de um conhecido que sempre estava de bicicleta na praia por volta das 6h da manhã. Quem já pedalou pelo litoral esse horário sabe o quanto é gostoso pegar o clima ameno, a brisa suave e o silêncio logo cedo, dá uma energia boa para encarar os compromissos do dia a dia. Eu, claro, ficava com vontade de estar ali também, por gostar da manhã e das bicicletas, mas o horário é inviável para que entra nos trabalho às 7h. Mal daria pra chegar na praia e teria que voltar correndo para casa me arrumar já que meu trabalho não conta com estrutura para banho e troca de roupa.


      A cada foto avistada e curtida ia aumentando o comichão para fazer parte do esquema, mas faltava um tanto de coragem. Não de acordar cedo, isso eu tiro de letra, mas sim de perguntar se eu poderia participar. Eis que, do mais de repente nada, sou adicionado num grupo do whatsapp (outra opressão!) que não tinha título e eu só conhecia de nome duas ou três pessoas das quase vinte que faziam parte, mas tinha o objetivo de formar um grupo para pedalar de madrugada!


      O esquema era o seguinte: todos se encontrarem em um ponto de fácil acesso a todos, por volta das 4h da matina, para dar aquele rolê por alguma praia, retornando por volta das 6h. Me empolguei logo, se esse esquema funcionasse a contento eu poderia participar dos passeios e ainda chegar no trabalho dentro do meu horário. Depois de algumas conversas pelo celular, marcamos a primeira saída e... apareceram duas pessoas: eu e o conhecido (que agora já virou amigo e parceiro para outra paixão em comum, a fotografia).

      Foi uma mistura de empolgação e um banho de água fria. Várias pessoas confirmaram que compareceriam e no horário marcado não estavam no ponto de encontro nem atendiam o telefone. Fomos só eu e o Victor mesmo, já estávamos lá, não tinha motivo para desistir. E lá fomos nós.

      Alguns minutos depois o pedal da minha bicicleta quebrou e tive que empurrá-la até um posto de gasolina para ver se conseguia um alicate e fazer o conserto. A situação estava pior do que esperava e mesmo após colocar o pedal no lugar não levou muito tempo para ele cair. O jeito foi voltar pedalando com um pé só. Quem nunca??

      Marcamos mais um dia e novamente só fomos eu e Victor. Minha bicicleta estava consertada, mas isso não impediu de aparecer outro contratempo. Pneu furado da bicicleta do Victor. Mais uma história para contar, mais uma pedalada na madruga. Foi então que no terceiro Pedal Madruga (nome oficial da brincadeira) apareceram mais duas pessoas. No quarto compareceram 6. E assim o Pedal Madruga cresceu e hoje sai quase todas terças, quintas e sábados, tirando da cama antes do galo cantar de 6 a 12 pessoas. Boa parte delas desconhecidas umas das outras, mas que foram unidas pela vontade de fazer algo diferente.

      Além do passeio em si ainda temos outra atividade que faz parte do esquema: a fotografia. Como é quase unanimidade que todos carregam ao menos um celular com câmera, o visual do nascer do sol se tornou um belo cenário para exercermos nossas criatividades fotográficas e já pensamos, até, em transformar isso em um projeto. As imagens que ilustram esse texto são minhas e feitas durante os passeios, mas existem muitas outras tiradas pelos outros madrugueiros.

      E assim transformamos a opressão em liberdade, traduzida em rodas, correntes, fotos, sorrisos e histórias.



12 dezembro 2013

Os bancos, parte 2


      "Passos curtos, sem pressa, caminhando calmamente sob as sobras das árvores. Não parecia que ali era uma grande avenida, carros e ônibus passando a toda velocidade, como se vida acabasse na próxima esquina. Inocentes: a vida tinha começado a pouco.

      Os olhos não se viam, as mãos não se tocavam, as palavras era quase mudas e nada disso impedia de sentir a felicidade de estar ao lado dela. As pessoas passavam, mas nenhuma delas tinha importância. Só ela. Tímida, um tanto distante. Não havia diálogos, as trocas de sensações se davam no desconhecido da imaginação. Quantas noites já haviam sido viradas em claro em conversas que não se sabia o começo e nem se imaginava o fim. Quantas declarações veladas de querer não teriam se perdido nas interpretações? Ali começava o momento de se descobrirem. Não havia pressa. Só havia eles.

      Andaram até chegar. Uma praça. Parece que os romances precisam de praças, dessas com árvores, bancos, pássaros e flores. Dessas onde os amores (e os amantes) se sentem livres. Liberdade. Vagaram sem rumo em paralelepípedos que poderiam contar mais histórias que todos que os pisavam naquele momento conseguiriam imaginar. Sol batia e não havia calor, o inverno tem dessas coisas. Ficar próximo era também se aquecer, instintivamente a distância ia diminuindo a cada momento.

      As conversas começaram a acontecer, era delicioso escutar tão de perto aquele sotaque que tanto encantava ao telefone durante as poucas ligações que trocaram. A sintonia ia se afinando, ele percebendo a pele branca e os olhos castanhos. Trocavam sorrisos, daqueles que saem por qualquer coisa, que surgem por nada.

      Sentaram num banco. Banco, este, que era como todo banco de praça deveria ser, madeira pintada de branco sobre armação de metal. Fazia sombra, alguns jovens faziam barulho por perto. Pessoas corriam, levavam cachorros para passear, pássaros vez por outra cantavam. O pouco do espaço vazio entre eles era o que faltava para tudo não ter volta e esse era o mais difícil de transpor. E o destino, por suas vias tortas, fez sua parte, lançando ao encontro dos dois o desconhecido. Fala embolada, porém eloquente, roupas rotas e toda a falta de amarras que são características dos loucos (esta última também dos cupidos). Lançados pensamentos e verdades no ar, fez com que a garota se sentisse acuada com sua presença e procurando refúgio ao lado daquele que há muito queria estar tão perto. Quem tivesse olhado o casal ao chegar na praça não teria percebido mudança alguma, ainda se tratavam de um rapaz e uma moça passeando, conversando e rindo. Para ele, muito havia mudado. Conversaram por um bom tempo, ele mais a vontade com o louco, ela mais a vontade com ele e um pouco temerosa com o esfarrapado prostrado à sua frente. De um modo bem suave eles se despediram do louco e seguiram rumo à lanchonete próxima.

      Atravessaram a rua, fizeram seus pedidos e ficam a conversar. Ela mais a vontade, até puxava assunto. Parecia se sentir mais segura ao lado dele depois da visita inesperada na praça. Ele comia porque em algum lugar do corpo dele haviam sinais inaudíveis de fome, mas ele pouco dava atenção a isso. Entre sanduíches e batatas fritas, segurou na mão dela e não quis largar. O tempo era agora, o lugar era ali. O sol já tentava se por deixando o céu num degradê rosa que só deixava o sorriso dela mais bonito. Devia emoldurar. Guardou na memória, havia de lembrá-lo sempre que possível.

      O cinema ficava logo ali do outro lado praça. Seguiram, de mãos dadas, rumo aos próximos bancos...

02 novembro 2013

Os bancos, parte 1

      "Ônibus parado na rodoviária, pessoas descendo, pessoas querendo subir. Desembarcou e procurou um lugar para esperar. Ainda faltavam alguns minutos, mas a expectativa do momento faria com que aquilo parecesse horas. Talvez anos. Encontrou um banco cimento vazio, frio, sem vida, sem harmonia com o que se passava em sua mente. Era um dia de inverno, desses que normalmente faz muito frio, chove e estraga todos os seus planos. Só que esse era um dia de inverno diferente, fazia sol, o céu estava limpo e a temperatura era agradável. Olhou pro relógio, consultou o celular para ver se havia alguma nova mensagem. Pôs o fone de ouvido e começou a ouvir as músicas que queria ter guardadas na lembrança para aquela hora.

      Pessoas chegavam, pessoas partiam, quem ele esperava não aparecia. Procurava por alguém que não conhecia. Ao menos não pessoalmente. Não tão de perto que fosse possível conhecer a luz dos olhos. O conforto do abraço. Como então reconhecê-la? Instintivamente, sabia. Sentia que descobriria que era ela no momento que a avistasse, independente da distância, do ângulo, da multidão.

      Tô chegando, dizia a mensagem recebida. Nesse mesmo momento o coração bateu um pouco mais rápido. Estavam mais perto do que nunca e ainda assim era longe. Ele começou a andar de um lado para outro, pensou em dar uma volta e desistiu. Por mais que não tivessem marcado um lugar em específico na rodoviária achava que qualquer mudança poderia estragar tudo e tudo já havia sido estragado antes por causa de mudança repentinas. Não arriscaria dessa vez. Sempre é mais difícil lidar com situações incomuns quando se está num lugar praticamente desconhecido, as alternativas rápidas inexistem e a insegurança atrapalha. Definitivamente ficaria ali sentado, no banco não mais tão frio, este havia de ter recebido um pouco do calor que se condensava em pequenas gotas de nervosismo em sua testa. Nem um banco podia ser tão insensível assim.

      Sempre observava os passantes na certeza que alguma hora ela passaria ali e, tal qual um míssil guiado, seria levado de encontro. Sem erros, sem mudanças de rumo. Rota certa. Já passava da sexta música, que dizia "Quando você chega é cataploft no meu peito", e o peito já tinha feito todas as onomatopeias imagináveis. Se tinha algo que tirava seu alicerce eram encontros. Nunca fora bom nesse quesito. Esperar não ajudava em nada, melhor seria encontrar logo e se não desse certo, cair fora. Se desse certo, aproveitar o máximo. A demora não dava a possibilidade de escolher uma coisa ou outra.

      Foi então que a viu ao longe, no meio de um grupo que havia acabado de descer de um ônibus. Tinha certeza que era ela. Seu coração já lhe afirmava, sem margem de dúvida. Ela estava de costas, blusa preta, calça jeans, tênis baixo. Seguia numa direção que não ia ao encontro da sua então pôs-se a caminhar enquanto tirava o telefone do bolso e tentava ligar. Ela não só não olhou para trás como não fez gesto que mostrasse que iria sacar o telefone da bolsa. Por um tempo ínfimo se perguntou "Não estarei errado, de novo?", mas preferiu arriscar: desligou o telefone e começou a andar mais rápido. Não demoraria a alcançá-la. Já havia esperado demais. Pensado demais. Desejado demais. Ninguém deveria desistir de tudo isso por um telefone não atendido, menos ainda depois dos tantos quilômetros percorridos. Faltava pouco, muito pouco.

      Finalmente conseguiu chegar próximo o suficiente para falar com ela, que naquele momento parecia estar procurando alguém. Ele, claro. Não teria porque ter dúvidas disso. Antes, no entanto, parou e a observou. Não sabia muito o que viria depois, além da certeza de a sua vida mudaria de alguma forma no momento em que se olhassem.

      Oi, ele disse. Ela virou meio surpresa e disse oi também. Nesse momento se rendeu ao sorriso mais lindo que já viu."

27 agosto 2013

Alento

Foi paixão
E ainda que não tivesse sido
Teria magoado o coração

É amor
e mesmo que não seja
ainda assim se finge amado

Terá um fim
E mesmo que não tenha
Algo terá começado.

14 julho 2013

Arado

Onde está a justiça do mundo
que permite a um querer de tão pouca idade
plantar tanta saudade
no peito?

Dessas coisas do coração, nunca aprendi como
cativar amor em liberdade
viver numa prisão sem grade
e querer nunca ser solto

O poço fundo da solidão um dia acaba
e na tormenta da maldade
vive-se a crua realidade
dos amores mortos à faca

08 abril 2013

Saudadeando

Veja só o que você fez
desistiu sem ter tentado
deixou largado, à tôa
o que era pra ser seu

carregarei comigo essa mágoa
quem sabe o tempo apaga
a minha alma não é tão boa
pra fingir que não doeu

A Liberdade machuca o peito
quando lembro daquela chuva
o pensamento pra longe voa
enterrando o bem querer que já morreu.

Sem fantasias

      Roupas, máscaras e maquiagem. O carnaval dá vida a muitos personagens que existem dentro de nós. Sob o signo da liberdade inconsequente, tudo é permitido. Alegria, alegria, mesmo que efêmera.

      E eu me pintei com as cores do dia a dia. Nunca aprendi a ser outro além de mim. Me fingir Pierrot ou Arlequim nunca foi a graça do meu carnaval. Ser o de sempre já era alegoria sufiente para curtir a folia de Momo.

      Mas todos temos fantasias guardadas nos armários das lembranças e vez por outra temos que colocar o bloco do eu sozinho na rua e desfilamos nossos anseios e desejos. Ninguém sobrevive sufocando eternamente os próprios quereres.

      Arejadas as lantejoulas (já opacas pelo gastar do tempo), penduramos a fantasia no cabide do esquecimento até o próximo carnaval.

06 abril 2013

Acabou de acabar

      Outro dia acordei com a saudade tomando conta do peito. Veio assim de repente, bote sorrateiro. Desprevenido e sem saída, me rendi.

      Então vieram as lembranças dos dias bons, dos abraços e dos sorrisos. Risada saindo fácil, leve e solta pelo ar. Dias em que o frio ainda tomava conta da barriga. Passeios, cinema, jantares. Todos os itens do romantismo clássico (e talvez ultrapassado, para alguns) utilizados com o único objetivo de ser feliz.

      A sucessão de dias foi sucedida pelo vazio. Pelo não ser impedido pelo não estar. Pelo fim. Acabou de acabar.

      Então a saudade se foi, sem hora pra voltar.

13 março 2013

(Im)Pulso



Eu.
Eu tenho um coração.
Eu tenho um coração que pulsa.
Eu tenho um coração que pulsa, quando estou em paz, em média 60 vezes por minuto.
E em cada pulsação dessa meu sangue é enviado para o resto do corpo e retorna ao coração.
Meu coração.
Eu tenho um.
Coração.

Como você já sabe, eu tenho um coração.
Um coração que pulsa disparado, em média, mais de 100 vezes por minuto quando estou em perigo.
E em cada vez que lhe beijei, meu coração disparou.
Eu senti o perigo.
Meu coração, também.
Eu tenho um.
Coração.


Coração.
Aquele que é meu.
Que pulsa.
Que sente.
Que dispara.


Meu coração pulsa 60 vezes por segundo.
Eu vivo a cada pulsação.
Ele pulsa pelo sentir.
Pelo disparar.
Pelo perigo.

Meu coração pulsa várias vezes por minutos.
Mas nenhuma delas é por você.

16 janeiro 2013

S

Sentir menos
Sem ter mais
sem tentar
sentimentos

soluçar
sem dançar
sabe lá
sem e só
solidão

15 janeiro 2013

O som ao redor

      "Cama, guarda roupa, ventilador, computador e violão. Um quarto simples, de alguém nem tão simples assim. Não precisava de muita coisa além disso, um pouco de água e alguma coisa pra enganar a fome até a hora da barriga roncar, como que avisando sobre os problemas da inanição. Não era só de alimentos que a barriga reclamava, nem todo carboidrato do mundo consegue saciar os sentidos. Os sentimentos.

      Havia espaço demais. Na cama, no guarda roupa, no peito. Imensos latifúndios improdutivos, plantados de desejos não concebidos. Nas cordas do violão não encontrava tranquilidade, cabeça inquieta e voando longe. Nunca soube tocar e ainda assim achava seus caminhos por entre lás e dós, esperando a hora que o sol iluminasse a penumbra. A luz não veio.

      E no entanto a música há de salvar. Se não a própria, filha deformada parida a fórceps; as de outros e outras, belas crianças que crescem e seguem seu rumo. E naquele parque de diversões de músicas com pai e mãe, algumas são escolhidas para brincar. Aos poucos o vazio não é tão incômodo, se fazendo de ar para refrescar. A cama não parece tão vazia e o violão já virou um par, parceiro mudo que sabe a hora de calar.

      Sem se dar conta, uma música carrega entre sua melodia uma saudade, que se aconchega no travesseiro macio da solidão. Sons transformados em imagens, reais e vivas e ilusórias. E sabia que aquilo tudo foi sem nunca poder ter realmente sido. Os abraços, os sorrisos, os beijos. Imagem de som te cheiro, tem tato e tem paladar. Não queria lembrar da multidão que envolvia, só de belos olhos negros que vez por outra diziam coisas belas antes de calar a própria boca com outra boca. A sua boca.

      Músicas não tem donos. Elas não pertencem a alguém, a algum lugar ou a algum momento. Elas são livres para serem o que quiserem. E essa música era pura saudade e foi quando o verso lhe abriu o coração:

"Is that a ufo or a shooting star?"

      Foi tudo aquilo algo fora da compreensão ou, como uma estrela cadente, algo tão efêmero e intenso que se apoderou de uma música para mandar recado? Então talvez tenha direito a um desejo: libertar a música.

      Abraçou a saudade, o travesseiro e deu boa noite ao violão.

19 maio 2012

Retorno

Foi você, morena
quem me fez sonhar
e pensar que tudo seria um par,
um lar com jardim
sempre chegada e nunca partida

Vai
Que a saudade dói no coração
De quem tem peito demais
Para viver uma vida
Em despedida

E não vá acusar o destino
pois o vento guia a caminhada
os desatinos do tempo são companheiros
de quem tem o horizonte como chegada.

Então vem
Que a saudade encontra a paz
Quando a gente se encontra
e que o desassossego de não estar
é uma lembrança que nunca vai embora
quando sempre se espera a volta.



02 março 2012

Um sopro

      Toda a noite é o mesmo frio. Um frio seco e áspero, como lixa desgastando o viver. Pouco a pouco congelando a esperança, transformando-a em floco de neve que, teimando em ser mais pesado que o querer se perde entre tantos outros flocos.

      E o frio vai tornando tudo mais difícil, mais distante, mais opaco. O futuro é só uma lembrança distante, algo que nunca chega e, ainda assim, já passou faz tempo. Não há verão, outono ou primavera; invernados os ponteiros do relógio e tudo se torna árido. Houve vida um dia, hoje apenas se ouve o silêncio do tempo.

      Mas nessa noite eu deixei aberta a janela do desejo e me soprou, leve e aconchegante, uma brisa. Desagasalhei o coração para que, livre todas as camadas de proteção que os desamores nos fazem carregar, pudesse mais uma vez sentir o beijo suave do vento.

      Quanto mais a brisa sopra, mais poças se formam pelo descongelar da esperança. Nelas se reflete o brilho incandescente da paixão. Há, nesse solo nu, sementes. Alguma há de vingar. Florescer e frutificar é preciso. Que seja primavera.

      Do frio de toda noite, me dispeço.

02 fevereiro 2012

Atrasado, mas sem pressa


      O ano por aqui começa atrasado. Com todos os problemas acontecidos, janeiro só serviu para conta os dias do calendário. O ano é bissexto, acho que isso ajuda em minimizar a perda de alguma forma. Um prêmio de consolação.

       Não ficarei remoendo o que já passou e não trás prazer algum em ser relembrado. Deixo isso para uma próxima análise psicológica temperada a drama e lamentação. Talvez eu devesse olhar com mais carinho o que tem acontecido de bom. Talvez eu pudesse sorrir mais um pouco. Quem sabe eu esqueço o que passou.

       Promessas. Várias. Nem todas serão cumpridas. Talvez os 3000 km pedalados ao longo do ano. Ou então os 250 filmes. A reforma do quarto. Todas as visitas prometidas. Quero me ver livre de algumas amarras que fazem parte de mim. Quero mais irresponsibilidade com a razão.

      Outro dia vi um beija-flor do meu lado, quando tirava o carro da garagem para ir trabalhar. Nem me dei conta, naquele momento, de quanto tempo eu não via um beija-flor. Não sei se eles existem tanto quanto antes. Não sei se temos menos flores (menos aromas e menos cores também). Só agora percebo o quanto foi bonito ver o beijo. Feliz da flor.

26 janeiro 2012

Nesses últimos dias

      Nesses últimos dias chovia a noite. Garoas, pancadas, chuviscos. E era só começar a cair lágrimas do céu que eu me punha fora da cama e corria. Porque correr é a tentativa inútil de alcançar um tempo que já passou e não volta. Eu corria para te livrar da chuva. 

      Então que eu lhe encontrava com um rosto de alegria, como se finalmente houvesse chegado o herói. Você se sacudia para se libertar das gotas d'água que insistiam em ficar presas em ti. Depois olhava pra mim, ria e me abraçava. Do seu jeito, meio desengonçado. Eu achava graça. Voltava pra cama e dormia mais leve.


      Eu tinha lhe prometido algumas coisas. Nunca mais poderei cumpri-las. Nunca consegui dar aquele passeio na praia. Fico pensando com seria você todo sujo de areia, correndo de um lado pro outro. Será que gostaria das ondas? Ao contrário do que acontece normalmente, você gostava de banho. Se divertia. Quem sabe corresse atrás dos caranguejos. Tenho certeza que colocaria a língua pra fora e deitaria com menos de meia hora. Essa seria a hora de conversarmos e eu lhe explicaria algumas coisas que você não entendesse. Mas agora sou eu quem não entendo.


      Não entendo porque a decisão a ser tomada foi exatamente a pior. Não entendo porque nunca me dão ouvidos. Nunca soube o que é ter dado uma opinião. Nunca saberei como teria sido ir a praia contigo.


      Esses dias também choveu a tarde. Lembro que eu lhe chamava pra passear e quando me preparava... caia a chuva. Não demos nosso último passeio. Nem nunca mais passamos uma noite no quintal, entre lua e estrelas, vinhos e vela. Talvez um livro, talvez música. Quase sempre você acabava dormindo, mas era só eu pensar em me levantar da cadeira que você despertava. Isso era bom. Um dia entenderei porque decidiram que não seria mais. Não existiria mais.


      Como todo mundo que conheço bem, você tinha suas manias. Achei tão estranho chegar em casa e não te escutar. Não poder falar com você. Não poder rir com você. Deve ter sido por isso que ao chegar em casa me tranquei no quarto, sozinho, e chorei. O silêncio me fez vazio. Dormi.


      Não tinha esperança de lhe encontrar quando acordasse. Todas as esperanças foram embora desde o momento que lhe procurei pela casa e não te encontrei. Entendi o que aconteceu, mesmo sem querer acreditar. Foi covardia o que fizeram. Isso não tem perdão.


      Os dias vão se seguir, um após o outro. Para mim. Para você, os últimos foram aqueles dias de chuva...

16 dezembro 2011

Apostas

      Finda-se. Um instante, um momento, um ano. O recomeçar é um direito de quem respira, mas é um dever pra quem escolheu viver de verdade.

      Perder e ganhar são partes do jogo, não adianta reclamar. Faça suas apostas e deixe os dados rolarem. No fim ganha quem souber aproveitar.

07 novembro 2011

Des-cama.

      Madruga de sábado para domingo, quase meia noite. Horário de criança estar dormindo, diriam alguns pais. Pra mim é horário de cumprir uma pequena função familiar. Ser o único habilitado a dirigir um carro nessa hora da noite tem esse tipo, por assim dizer, contratempo. Conferindo: chave, carteira, celular. Tudo pronto. Se o trânsito e os furadores de sinais vermelhos permitirem, não levarei mais do que 25 minutos no trajeto de ida e volta.

      A noite está bem fria, parece até inverno. Não venta, mas também não estou com calor. Não se vê uma estrela no céu, tudo coberto por nuvens que variam do cinza claro até um branco encardido. A lua deve ter aproveitado pra tirar folga pois não foi possível vê-la. Todas as noites deveriam ser assim. Quer dizer, quase todas. Noite de lua cheia não deve ter nuvem. Nas outras noites poderia ser assim: nublado, fresco, um pouco de vento vez enquando.

      Começo a dirigir a única coisa que escuto é o som do pneu pisando a água que ainda está no esfalto. Ligo o som do rádio, não estou muito afim de papo. Conversar com pessoas alcoolizadas, em alguns momentos, é impossível.

      Primeiro sinal dos 3 que terei pelo caminho. Vermelho. Enquanto espero ele ficar verde escuto um "Pode passar, aqui não tem sensor". Como se eu não soubesse. Passo por esse sinal todos os dias que tiver que sair de casa dirigindo. E não entendo o porque das pessoas terem sempre que passar no sinal vermelho a noite. Nem entendo direito as pessoas. Enfim.

      O viaduto está diferente. Hum, apagaram a iluminação de pista e só deixaram a iluminação decorativa. Ela varia de cor com o tempo, mas agora está vermelha. Combinou com a noite, um certo ar sombrio. Dá vontade de parar o carro no meio do viaduto e ficar lá esperando a noite passar. Não será dessa vez, alguém ainda tem que chegar a rodoviária.

      A pessoa ao meu lado diz que não vai chover mais, baseado em que tipo de informação ou sentido eu não sei. O céu está pronto pra desabar e como forma de demonstração, começa a chover fraco. Nem preciso fechar os vidros, no entanto ligo o limpador do parabrisa e percebo que preciso trocar as palhetas. Agora é que não vai ser então tentarei me preocupar com isso depois que acordar.

      Segundo semáforo verde, é só seguir em frente. A chuva aperta, sobem os vidros. Estou quase na rodoviária. Último sinal fechado, não demora muito e abre. Rodoviária, passageiro; passageiro rodoviária. Agora estou livre.

      A noite agora é só minha. Poderia sair vagando a toa, sem rumo e sem hora pra voltar, mas me lembro que quem paga a gasolina do meu carro sou eu. É, triste quando a poesia é sufocada pela falta de verba. No fantástico mundo de Bob isso não acontece, tenho certeza. Sorte dele, azar meu.

      Volto pelo mesmo caminho que fui. Em algum momento penso na minha cama e no quanto ela vai estar vazia quando eu chegar. Noites assim não poderia ter camas vazias. Sem cheiro, sem calor. Sem graça.

      Chego em casa, guardo o carro e tranco a porta da sala. Chego no quarto e vejo que larguei o violão nela. Licensa poética a parte, não era esse tipo do companhia que eu esperava. Por causa disso acabei ficando injuriado. Sabe de uma? O violão que se aqueça nela, mas hoje eu não vou dormir na cama.

      Minha poltrona parece mais convidativa.